O limite de idade para o Ensino Fundamental proposto pelo CNE
Custo a crer que no início do século XXI ainda adotamos como critério único de avaliação para a inclusão das crianças em classes escolares, a idade.
Num mundo onde circulam as idéias de Piaget, Vygotsky, e contribuições da neurociência, parece não restar dúvida que a aprendizagem resulta de diferentes fatores, como, principalmente, a maturação biológica, as experiências sócio-culturais, as interações que estabelecemos e a forma como lidamos com as experiências.
Por que então, discutir um limite de idade para o ingresso no Ensino Fundamental ou na Alfabetização?
Poder-se-ia alegar que o critério idade é adotado em função da preocupação que os educadores têm com a questão da entrada, cada vez mais cedo, dos alunos nas escolas de Ensino Fundamental, nas quais o aluno já não tem tanto tempo para brincar.
Lembro-me que quando meu filho estava no Jardim III, fui chamada na escola para conversar sobre seu desempenho. A professora dizia estar preocupada por que ele andava muito disperso. Perguntei então se ela conseguia perceber se o nível de desafio estava alto demais, ou ao contrário, se faltava desafio. Ela titubeou, mas foi de opinião que faltava desafio, o que eu concordei. Combinamos que ele faria uma semana experimental na Classe de Alfabetização. Ele interou-se bem, passou a ficar mais interessado nas atividades e hoje, aos 23 anos está concluindo a Faculdade de Engenharia. O que teria acontecido com ele se, naquele ano, ele tivesse permanecido na Classe que freqüentava? Muitas respostas são possíveis, dentre elas a hipótese de que ele se desinteressasse da escola, tornando-se um aluno “problema”. Poderia ser que achassem que ele era portador de Distúrbio de Déficit de Atenção, outro problema neurológico ou psicológico.
Que paradigmas podem estar norteando decisões do CNE? Seria a prontidão para a alfabetização ou apenas uma questão de organização do Sistema de Ensino? Serão as experiências nas escolas poucas para mostrar que não há critério objetivo para a Classificação dos alunos? Será que precisamos dizer que cada aluno precisa ser avaliado pela equipe que trabalha com ele, para tentar tomar a decisão mais acertada?
Infelizmente, quando falamos em PRONTIDÃO PARA A ALFABETIZAÇÃO, não estamos nos referindo aquilo que o aluno pensa sobre a leitura/escrita. A PRONTIDÃO diz respeito a um conjunto de critérios que avaliam a destreza motora, a percepção e outros aspectos muito mais relacionados à capacidade que o aluno possui para escrever, ou para desenhar uma letra bonita. Assim, a questão da PRONTIDÃO PARA A ALFABETIZAÇÃO deveria ser revista levando-se em conta os estudos de Piaget, Emília Ferreiro, Esther Grossi, Mary Kato, Frank Smith, entre outros.
Se a preocupação for a entrada cada vez mais precoce das crianças no Ensino Fundamental, penso que a mudança não deveria ocorrer impedindo as crianças de entrarem neste nível de ensino, mas sim repensando o Ensino Fundamental. Repensando as práticas que alicerçaram durante tanto tempo este nível e que excluem o lúdico, as histórias, as rodinhas de conversa, como se estas atividades não fosse pedagógicas. O professor muitas vezes alega não poder perder tempo com essas atividades, que ele não pode se dar a esse luxo. Seria mesmo um luxo poder aprender brincando? Aprender com as histórias e com os colegas de classe?Quais são os dogmas que norteiam nossas práticas?
Enquanto a escola for norteada e organizada por paradigmas do século XIX, como o critério da idade, o ensino livresco e conteudista, a disciplinarização ortodoxa e a teimosia em formatar os alunos, pouco se avançará nas escolas e nas classes que tenham a sua frente profissionais antenados com o mundo atual. É preciso que o Estado promova políticas públicas coerente com os objetivos propostos na Constituição Federal, na LDB e nos Parâmetros. Os objetivos propostos nestes documentos não condizem com as práticas arcaicas das escolas, que vivem sobre a pressão de decretos e burocracias que engessam o ensino.